terça-feira, 12 de março de 2013

TDAH EXISTE?

Escrito por Roger Soares   
A resposta parece óbvia. Mas diante da pergunta se TDAH existe, são igualmente convictos os que respondem sim e os que respondem não. As argumentações costumam elencar vários pontos de vista, cada qual com seu valor, e não se alcança um veredito final. Nesse texto discutiremos alguns dos problemas relacionados ao conceito de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade e defenderemos o ponto de vista da pessoa afetada que necessita de uma solução prática.
Grosso modo, podemos dizer que existem duas grandes visões a respeito do tema: uma teoria que sustenta que o TDAH tem um fundamento biológico, sendo uma conseqüência do desenvolvimento inadequado do cérebro e outra teoria que defende que os comportamentos identificados como TDAH são decorrentes de fatores sociais, psicológicos e culturais que segregam as crianças e adultos que não se conformam com os padrões aceitos de conduta. Evidentemente, a medicina e as neurociências tendem à visão mais biológica e os teóricos das ciências humanas recorrem mais à interpretação de que as circunstâncias são as responsáveis pelo problema.
Poderíamos decidir por um meio-termo sábio e buscar uma justa medida ou um acordo entre as partes, de modo a conciliar ambas visões e desfazer o dilema. Mas o problema não é simplesmente teórico e uma solução exclusivamente no plano do discurso não resolve o problema do paciente. A conseqüência imediata da adoção de um dos pontos de vista é ter de decidir como intervir para resolver a situação. É isso que está em jogo. O que fazer com as crianças desajustadas com relação ao seu entorno e com o estresse que isso gera para elas mesmas e para quem convive com elas é a questão principal a se solucionar. 
A perspectiva mais biológica defende a adoção de intervenções farmacológicas como formas efetivas de alterar o funcionamento do cérebro e o aproximar daquilo que seria considerado normal. De fato, os estudos científicos populacionais apontam para uma resposta positiva em 70% das pessoas que recebem estimulantes do sistema nervoso central. Já a intervenção comportamental isolada tem pouca eficácia nessas pesquisas. Por outro lado, para os que entendem que o TDAH é um problema de choque de gerações e uma conseqüência da cibercultura, as crianças com esses comportamentos já são normais e não precisam ser acondicionadas em caixas de pensamento para serem aceitas na sociedade. Quem tem que mudar é a sociedade que não lhes permite expressar a individualidade. 
Se isso for verdade, temos um problema de ordem prática, pois a sociedade muda lentamente e grandes mudanças levam gerações para se consolidarem. Por conseguinte, o benefício a se esperar para um indivíduo é mínimo. Ela não viverá o suficiente para ver ou perceber tais mudanças. Claro que isso não descarta a necessidade de lutar por uma educação mais inclusiva e aberta.
A indústria médica lucra com a venda de medicamentos de alto custo, os profissionais de saúde ganham pacientes, a ordem econômica e política estabelecidas garantem a formatação das futuras mentes pensantes para servirem como continuadoras do modelo vigente. Em contrapartida, existe também uma indústria das intervenções não-medicamentosas, inclusive as metodologias alternativas de ensino que com bastante freqüência custam mais caro e não preparam para os cortes representados pelo ENEM e pelo vestibular. Se há uma pressão político-econômica do lado de rotular a doença, há também uma força oposta com seus interesses igualmente políticos, econômicos e ideológicos cuja abrangência e metas ultrapassam o âmbito das crianças com TDAH, ainda que se sirvam delas como bandeira.
Mas qual o ponto de vista do paciente? Contrariando os argumentos que culpam a escola por não dar conta dessas crianças mais elétricas, os pacientes com TDAH têm dificuldades que ultrapassam, em muito, o mau desempenho acadêmico. Seus problemas não se restringem às notas em matemática ou português. Eles chegam atrasados a compromissos, mesmo àqueles que os deixaram ansiosos por dias de antecipação. Muitos não conseguem sustentar relações afetivas por longo prazo. Estão mais sujeitos a comportamento de risco como sexo desprotegido e uso de drogas recreacionais, mesmo sendo bem educados a respeito. Podem ter surtos de explosões emocionais e não conseguem se submeter a figuras de autoridade ainda que possam ganhar com isso, como no caso de obedecer aos pais ou aprender com os professores. A falta de atenção e a hiperatividade podem comprometer a capacidade de aproveitar prazeres banais como assistir a um cinema ou ler um livro e ainda aumenta o risco de acidentes de trânsito.
Por esses motivos é que o Diagnóstico Estatístico de Doenças Mentais(DSM-IV) afirma os critérios para o diagnóstico de TDAH:
  • O indivíduo deve ter 6 de 9 sintomas de falta de atenção e/ou de hiperatividade, 
  • Os sintomas precisam ter começado antes dos 7 ou dos 12 anos,
  • devem estar presentes nos últimos 6 meses e, obrigatoriamente 
  • devem ter um impacto negativo na funcionalidade em pelo menos 2 ambientes da vida. 
Isso significa que problemas escolares isolados não justificam um diagnóstico, muito menos um tratamento para TDAH. É preciso que outras áreas da vida estejam prejudicadas e causando sofrimento para o paciente para que a doença seja reconhecida. Apesar disso, existe um mito de que pessoas com TDAH são criativas e representam a geração do futuro.
Em toda a história sempre existiram aqueles à frente do seu tempo. Foram, são e serão os inovadores, os revolucionários, os subversores da ordem estabelecida, os visionários e outros outsiders dos vários campos de saber. Essas pessoas se abrem para o futuro a despeito das amarras de seu tempo e com isso deflagram as transformações sociais, educacionais, políticas e afins. Os exemplos proliferam em todas as áreas, inclusive no Brasil: Paulo Freire, João Gilberto e os pioneiros da bossa nova, Ulysses Guimarães nas Diretas Já, Teotônio Vilela, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral. A lista é interminável.
Entretanto, as pessoas com TDAH de verdade não alcançam esses altos índices de funcionalidade. Ao invés disso, sentem-se “underachievers”, pessoas com a sensação de que não conseguem se desenvolver por toda a extensão de seus próprios potenciais. Em relação à média do grupo, as pessoas com TDAH não caminham na vanguarda, mas se arrastam na retaguarda quando poderiam estar no meio ou até à frente em áreas específicas. São pessoas inteligentes(não mais que os outros) e que não atingem a eficiência na vida diária que se esperaria por sua capacidade de compreensão.
Ainda assim, existe razão em se duvidar do TDAH porque essa é uma condição médica diferente das que estamos acostumados a lidar no cotidiano. Uma pneumonia, por exemplo, não deixa dúvidas: ou você está ou não está com uma infecção bacteriana no pulmão. O raio-X mostra, a febre é inequívoca; o muco purulento e a ausculta confirmam, indicando a necessidade de antibiótico imediatamente. O mesmo não ocorre com o TDAH. Entre uma pessoa inteiramente normal e outra com um quadro de TDAH extremo existem uma gama de sujeitos com combinações e intensidades de sintomas diferentes, formando um continuum.
Onde traçar a linha que limita o que são variações do normal de um lado e o que são gradações da doença TDAH de outro é uma questão delicada. Os critérios diagnósticos do DSM-IV são claros: é preciso ter comprometimento funcional em, no mínimo, 2 ambientes da vida. Contudo existem situações que merecem reflexão. Uma criança normal em uma escola muito puxada pode se sentir deslocada, incapaz e se desinteressar pelo estudo. A escolha da instituição de ensino é função dos pais; provavelmente pais exigentes escolhem escolas exigentes. Se não houver uma adequação de expectativas frente à capacidade do indivíduo, podemos ter aí a frustraçao e o comprometimento nos dois ambientes da vida necessários para o diagnóstico de TDAH.
Sempre haverá casos duvidosos, pessoas que poderiam ter se beneficiado de tratamento e outras que deveriam ter sido dispensadas dele. Existem ainda aqueles que apresentaram sintomas na infância e que se desenvolveram a ponto de se equalizarem, construindo uma história pessoal de sucesso. Infelizmente, a história típica de quem tem TDAH fala de dificuldades e repetências no ciclo básico, ensino médio completado por supletivo ou abandonado, faculdades conquistadas à base de cola e dificuldades nos empregos e nos relacionamentos por toda a vida.
Não podemos fechar a questão e nem teríamos como. Da mesma forma que há alterações genéticas e de espessura cortical cerebral relacionadas ao TDAH, há também fatores psicossociais que interferem no desenvolvimento da pessoa. Nossa visão é de que em muitos casos a soma de tratamento farmacológico e terapias cognitivas e comportamentais ajudam os pacientes e seus familiares a mudar o curso da história e construir um novo futuro. Pesando adequadamente riscos, custos e benefícios, podemos melhorar a vida de muitas pessoas quando nos desvencilhamos dos preconceitos. Nossa resposta deve ser condicionada à repercussão prática na vida de cada paciente.
http://www.doutorcerebro.com.br/portal/o-cerebro/15-tdah/41-tdah-existe

Nenhum comentário:

Postar um comentário